Peço
perdão aos românticos e religiosos, mas casamento é uma daquelas invenções
fadadas ao fracasso. Bom, antes de prever o fim vamos ao começo pra tentar
entender o que significa essa união de corpos, mentes e escovas de dente.
Tudo era apenas uma brincadeira e
foi crescendo, crescendo e me absorvendo e de repente eu me vi assim
completamente seu. Essa letra do
Peninha traduz bem o ritual de acasalamento que culmina na paixonite aguda.
Nosso corpo libera adrenalina na circulação, perdemos o sono e as chaves de
casa, o coração bate descompensado e estamos amarrados ao outro sem querer querendo. Viramos gêmeos
siameses, falamos uma língua infantil, beijamos muito, ficamos cegos, surdos e
loucos, completamente viciados um no outro. Sim, a paixão é um veneno, uma
droga poderosa que nos faz ver o mundo colorido e justo. A dopamina que nosso
corpo libera nessa fase é tão potente quanto a cocaína, leva à euforia e causa
dependência. E foi assim que Napoleão perdeu a guerra!
Num
piscar de olhos estamos de frente pro padre trocando alianças e juras de amor
em meio a uma platéia de olhos lacrimejantes. Outra piscadinha e estamos em
casa, de pijama, vendo TV num sábado à noite, com uma pizza família e
brinquedos espalhados pela sala. Sim, caros amigos, a gente envelhece numa
terça à tarde, como diria minha mãe. Sem querer querendo seguimos a cartilha dos
nossos pais, avós, bisavós. Temos uma família feliz. As mulheres casam pensando
em mudar os homens e eles casam pensando que elas nunca vão mudar. Ledo engano.
Aqueles dias de sexo selvagem e livre, noites de festa, beijos na boca e planos não existem
mais. Só planos de saúde, previdência, seguros de carro, de casa, de vida. Tudo
assegurado pra garantir que ninguém fuja.
Até
ai tudo lindo. Filhos são um barato, brincar de casinha é bem divertido e
família é um troço bacana. O problema é que - na maioria dos casamentos - dois
viram um e essa matemática subtrai o amor e multiplica as diferenças.
Abandonamos as pequenas coisas que gostávamos de fazer e passamos a fazer tudo
com o outro, pelo outro. E com o passar dos anos até esquecemos o que
gostávamos, o que éramos. Dançar até cansar, ficar em silêncio sem cobrança,
viajar sozinho sem lenço ou documento, voltar pra casa na hora que der na telha são coisa do passado. Perder a individualidade é o primeiro e derradeiro
sintoma que faz desabar uma relação. Depois vêm as cobranças, as mágoas, o
ciúme possessivo, o medo de perder, a convivência que desgasta qualquer relação.
Mas
se você está casado ou pensando em casar não desanime. Acredito que no futuro o
casamento vai ser bem diferente. Vamos entender que dois é igual a dois, que as
diferenças só somam, que estar junto tem que ser por opção e que seja eterno enquanto
dure.
Ps: lembrando que não sou contra o casamento, já que há vinte anos divido o teto com o
mesmo parceiro de vida. Por opção.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirE eu que sempre tive medo dos dramas de um casamento "caipira" me pergunto se não seriam justamento esses ledos enganos e desenganos o qu tornam essa ja desgastada instituição ao mesmo tempo tão fascinante.
ResponderExcluirEstou aqui às voltas com meu casamento "Ideal" onde há respeito mútuo e as liberdades, os desejos e a individualidade são respeitados. Onde cada um é um e os dois caminham juntos onde a reciprocidade, a cumplicidade e o companheirismo são as palavras de ordem, mas...
Quando ele resolve chegar as 6 da manhã bêbado sem ao menos uma menssagem pra dizer onde e com quem estava a Ideologia desmorona e dá lugar â já institucionalizada, boa e velha "DR".
Casamento é tudo igual seja gay ou hétero, aliás, as relações humanas são sempre cheia de meandros sejam amorosas, familiares, fraternais ou mesmo profissionais. Relacionar-se com o outro é sempre complexo por que nós, apesar de gostarmos de acreditar no contrário, enquanto indivíduos somos complexos.
baijão Dhéa saudade.
Gil
Muito bom seu comentário, Gil, penso igual e vivi tudo igual. Temos que descobrir um meio termo entre o casamento "caipira" e o moderno, algo pras gerações futuras...rs
ExcluirRelacionar-se é complicado porque a gente fica procurante pares idênticos a nós, o impossível, o inatingível. Temos que aceitar o outro e tentar conviver com tolerância, abrindo de mãos de algumas coisas e se impondo em outras, né?
Saudades de ti, amigo, espero que esteja bem!
Beijo enorme e obrigada por comentar!
Déa, vc tocou no meu assunto "favorito." =)
ResponderExcluirÉ engraçado, eu fui lendo seu post e imediatamente The Last Time I Saw Richard, da Joni Mitchell, começou a tocar na minha cabeça. Eu tive dois casamentos - o atual, inclusive, de papel passado - e sou filho de um terceiro, que desmanchou-se durante minha adolescência pra gerar outros dois. Nessa minha curta amostragem, nenhum dos cinco era vagamente parecido um com o outro. Alguns desses casamentos eram modernos, libertários, outros tradicionais, outros de improviso, e a única coisa que eu percebi deles é que as coisas nunca transcorriam como o esperado.
Não quer dizer que todos os casamentos que eram modernos deram errados e que todos os tradicionais ou improvisados deram certo. Quer dizer que no fim, o que faz um casamento dar certo ou não dar certo são as próprias partes. Não como elas se portam em relação às outras, mas como se portam em relação a si mesmas.
Eu já passei pela fase de me espelhar nesse texto, como já passei pela fase anterior de falar como o cebolinha e fazer coraçãozinho com as mãos (ok, nem tanto), como atualmente olho pra trás e vejo como as duas filosofias são a mesma coisa. Em ambas, estamos botando nas mãos alheias a responsabilidade tanto pela nossa felicidade quanto pela nossa infelicidade.
Você está certíssima quando fala da busca pela gratificação, pela dopamina, pela embriaguez. Pra mim, esse é o maior problema. Da segunda metade do século XX pra cá, a nossa cultura explodiu numa adoração à satisfação. A gente nasce, vive e morre buscando estar satisfeito. Essa obssessão se tornou a base de toda a manipulação midiática e de todo o marketing, estamos constantemente sendo bombardeados pela possibilidade de estarmos mais felizes, menos cansado, sorrindo mais branco, trepando mais prazeirosamente, ganhando mais dinheiro, sendo mais populares e dormindo melhor. Tudo o que nos prometem é um estado constante de paixonite, de mania, de sugar high, e ai de você fracassado se estiver perdendo uma hora sequer do seu dia não sendo tão feliz quanto as pessoas ao seu redor proclamam ser em seus álbuns perfeitinhos de Facebook.
A verdade é que vivemos a adoração do contrário. Se em algum momento estamos infelizes, ou cansados, ou recebendo menos do que achamos que merecemos pelo quanto nós nos damos (e de acordo com a televisão, nós temos toda a razão em pensar que somos subremunerados, subgratificados e sub-amados), começamos com o escapismo do contrário. Sonhamos com uma suposta felicidade constante de estarmos livres das amarras - da companhia ou da solidão, tanto faz - sem nos atermos ao fato óbvio de que nenhuma situação externa no mundo jamais seguraria nossa peteca 24/7. Nosso organismo não é sequer feito para isso, ele precisa da contraparte da tristeza, da melancolia, porque alguém plenamente satisfeito não serve a nenhum propósito na natureza, a não ser alimentar o próximo predador que passar pelas redondezas.
Tem um vídeo que ficou famoso no YouTube, de um cara chamado Ernest Cline, entitulado "Dance, Monkeys, Dance." Nesse vídeo, ele diz uma grande verdade: o ser humano é o único animal do planeta que acredita ter necessidade de ser feliz. Vou além e digo que alguns consideram isso um DIREITO, como se fosse sei lá, obrigação do governo subsidiar sua felicidade. Bem, apenas recentemente houve uma proposta para colocar o direito À BUSCA da felicidade entre os direitos constitucionais, e mesmo assim, ele só garante que ninguém pode te impedir de ser feliz caso você queira, em nenhum momento diz que é uma busca frutífera ou mesmo necessária.
(tive que dividir o comentário de tão longo que ficou, hehehe)
ResponderExcluirSomos de uma geração que espera que tudo seja especial, que é ensinada desde pequena que todos são pequenas estrelinhas e que todos merecem tudo de bom na vida. Esse é o grande golpe. Não existe merecimento. Não existe felicidade por mérito. A grande prova é que a morte vem pra todos e não escolhe ninguém, não lê currículo, não respeita prioridade, não distingue o bonzinho do filho da puta, nada. Cansei de ver gente sofrendo querendo entender um motivo de uma pessoa tão boa e nobre e merecedora ter morrido de alguma forma idiota, ou repentina, ou violenta. A resposta é uma só: não existe motivo. Não existe merecimento, não existe cláusula no contrato da vida que garanta que a gente vá ser feliz, ou satisfeito, ou cumprir uma jornada pessoal de acordo com o que Joseph Campbell escreveu.
Dito isso, acredito que o casamento, os filhos, o sacrifício, a entrega, tudo isso faça parte da vida. É difícil encarar que em algum momento nós vamos deixar de ser o potencial infinito de nossas infância e juventudes e passarmos a ser um ou outro caminho consolidado, mas a verdade é que ninguém chega a lugar nenhum fazendo o primeiro retorno e escolhendo a próxima saída sempre que se sente longe do porto seguro da grande encruzilhada que é a chegada da maturidade. Não sou feliz o tempo todo, nem satisfeito (longe disso) e definitivamente não sou capaz de fazer o que me dá na telha na hora em que dá na telha, mas eu sei que onde quer que eu estivesse nesse momento da minha vida, as condições seriam as mesmas, apenas a paisagem estaria mudada. E francamente, minha única política quanto a isso é ir sempre pra frente, onde quer que a estrada leve.
Abraços!
Rafa
Rafa, adorei seu pensamento e seu texto muito bem escrito! Tocou em outro dos meus assuntos preferidos, a felicidade.
ResponderExcluirTambém tem razão quando fala sobre não generalizar, porque estamos descobrindo que somos indivíduos, temos vontades e sonhos distintos, únicos, independentes de gênero, número e grau.
Brigada por postar o comentário, quero sempre sua participação!
Abraços!
Sobre formas e sonhos intocados...Eu que não casei. Poderia tentar falar algo que não tenha sido dito aqui? Carência, exagero algo que transforme o mundo dos sonhos em realidade. Tendo em vista que cada um sabe de si, irei falar por mim. Sem certto ou errado. Viver o outro essa é a questão da busca errada de um casamento falído. Quando o outro não é prioridade e sim um bem estar que completa, talvez não complete, mas...vale a pena tentar...Seguindo em frente tentando viver sem regras para com o outro, talvez ajude a minimizar os problemas, tem que querer muito e fazer pelo menos metade do que tu gosta. A outra metade muitas vezes é podada. Deixar as raizes de lado é fundamental, é lembrar que o outro traz uma mochila de inúmeras coisas, pessoas e tudo aquilo que você pode ou não gostar, mesmo conhecendo. Mas o inferno é sempre o outro. Durante todo o processo do casamento, o que te ajuda é o 'Não saber' e a confiança. Ah os sentimentos, bem...esses estão sendo modificados a todo momento como nós. Como se vê nas possibilidades que escrevi o casamento é uma incerteza de algumas coisas certas...Enquanto se vive.
ResponderExcluir