quinta-feira, 10 de outubro de 2013

do lado de lá

Lá é o começo e o fim de tudo.
É o ventre, o vento, o nada.
De onde surgem todos os bebês,
bem lá no fio da meada.

Onde Judas perdeu as botas
e o mar fez uma curva,
justo ali, no canto do canto,
Em que tudo cai como uma luva.

De lá muito se falou,
certeza, certeza ninguém tem.
Pois quem foi nunca mais voltou,
e se voltou, ainda está no além.

Quer saber como se chega lá?
É rápido e fácil achar o caminho...
Mas eu sugiro, meu caro amigo,
que se espere mais um pouquinho.

Fui.



Por ter muito dentro de mim, às vezes, me afogo. 

sábado, 20 de julho de 2013

limpar, cuidar, viajar

Gosto de faxina, viagem e criança.
Tudo que mexe com a gente, que traz mudança.

Mexer na própria bagunça é uma provação.
Nunca se sai impune de uma arrumação!
A gente é obrigada a deixar pra trás tudo aquilo que não serve mais.
Difícil mesmo é tomar a decisão,
mas depois que se começa vira diversão.
A gente encontra coisa perdida, espana o pó e tira o mofo.
Uma boa faxina limpa a alma e abre espaço pro novo.
E só depende da vontade de mudar,
de seguir em frente e se desapegar.

Viajar é tirar o velho sapato moldado no pé.
Se aventurar sem saber direito o que vem pela frente e que sujeito se é.
Não existe melhor forma de se encontrar do que sair do nosso lugar.
Tudo pode acontecer e nada se pode controlar.
Ficamos vulneráveis, instáveis, mutáveis.
Marca-se voo, hotel, passeio e encontro,
só que as surpresas da estrada são o melhor ponto.
E na volta tudo parece diferente,
nem mesmo a gente reconhece a gente.

Já criança, quando chega, provoca uma avalanche.
Antes mesmo de ela nascer a mudança já é grande.
Muda teu corpo, tua casa, tua vida.
Te faz olhar além do umbigo e da própria ferida.
A gente perde o medo que aprisionava e passa a temer o que nem se imaginava!
Depois de ter filho a noção de tempo e espaço muda.
A gente se veste de super herói e do ego se desnuda.

Por isso eu gosto de faxina, viagem e criança.
O que faz olhar pra frente e ter esperança.
Tudo que te move na andança.



quinta-feira, 6 de junho de 2013

pra sempre...

Era uma vez uma menina que sempre teve medo da palavra sempre, porque achava que sempre poderia significar muito e nada ao mesmo tempo. Detestava contos de fada que sempre acabavam com todos felizes para sempre. Como eles sabiam que era pra sempre se a história acabava ali? E, o mais importante, quando acabaria esse tal de pra sempre? Essa pulga atrás da orelha, esse cabelo no ovo, essa pedra no sapato acompanhavam a menina desde sempre, como uma nuvem em cima da cabeça, como um carrapato.
Na idade da rebeldia, como sempre acontecia, a menina se rebelou e os amigos não entenderam quando o corpo ela não tatuou. O problema nem era o ato em si ou a dor em dó. O problema é que era na única pele que ela tinha e era pra sempre. E se ela não quisesse mais daqui a pouco aquele desenho louco? E se quisesse outra coisa no lugar daquela mesma coisa?
Assim, negando sempre o que lhe parecia eterno, ela dispensou namoro longo e emprego fixo. Sonhava ser borboleta e não pedra careta. Vivia nas nuvens, tanto que nem notou quando aquele menino bonito foi trazendo o sempre pra perto dela. Assim, num belo dia, ela se encontrou onde jamais imaginou. E naquele lugar, naquela hora, na frente de todo mundo, ela disse sim e aceitou o pra sempre. Não teve escapatória e assim continuou a história.
Por anos se sentiu sempre amarrada, aprisionada, apagada. Já notou que sempre que se teme o medo, o medo sempre persegue a gente? Pois com a menina não foi diferente. 
Dos médicos vieram diagnósticos de pra sempre. Ela teria que usar remédio pro resto da vida e só a idéia de tanto tempo assim já a apavorava.  Sempre teve medo do dia em que sempre teria que carregar tantas coisas que não pudesse suportar. E assim, os pra sempre foram se amontoando, se multiplicando e tirando o sono da menina. De olhos sempre abertos ela matutava sempre sobre as coisas que nunca teria e também as que sempre sonhara. A vida dela não caberia mais numa mochila, isso era certo. Como carregar todos os pra sempre pra todos os cantos, longe ou perto?
Ela estava sem esperança quando o milagre se deu (o que sempre acontece nesses casos!). E sem que ela percebesse, devagarzinho, sem alarde, o pra sempre plantou uma sementinha. Foi quando a menina viu nascer outra menina, outra vida na vida dela. Aos poucos, ela se deu conta de que aquela outra vida iria acompanhar a vida dela por muito e muito tempo. Teve pânico por alguns minutos, por algumas horas, por alguns dias. Até que os dias viraram meses que viraram anos e chegou o dia em que a outra menina, num ímpeto de afeto, se pendurou no pescoço dela e sussurrou ao pé do ouvido: te amo pra sempre, mamãe. Como essa palavra tão temida tinha agora tamanha grandeza saída da boca daquela miudeza?
Sem querer querendo, a pequenina tinha tirado pra sempre a pedra do sapato, o cabelo do ovo, a pulga detrás da orelha. Tinha aberto o portal e jogado a chave fora, tinha resignificado o pra sempre. Tudo fazia sentido em todos os sentidos e ela ficara leve em pensar que teria pra sempre aquela menina por perto, até o fim dos dias, até que a morte as separasse, até que...

Não posso negar que a menina ainda tenha receio diante do pra sempre, em algumas ocasiões. Mas é raramente, só em poucos verões. Ela perdeu o medo de envelhecer e até gosta de se comprometer. Porque algumas coisas na vida têm mesmo que ser permanentes. E isso também é bom. Simples assim. E fim.