Era uma vez uma menina que sempre teve medo da palavra sempre, porque achava que sempre poderia significar muito e nada
ao mesmo tempo. Detestava contos de fada que sempre acabavam com todos felizes para sempre. Como eles sabiam que era pra sempre se a história acabava ali? E, o mais importante, quando
acabaria esse tal de pra sempre? Essa
pulga atrás da orelha, esse cabelo no ovo, essa pedra no sapato acompanhavam a
menina desde sempre, como uma nuvem
em cima da cabeça, como um carrapato.
Na idade da rebeldia, como sempre acontecia, a menina se rebelou e os amigos não entenderam
quando o corpo ela não tatuou. O problema nem era o ato em si ou a dor em dó. O
problema é que era na única pele que ela tinha e era pra sempre. E se ela não quisesse mais daqui a pouco aquele desenho
louco? E se quisesse outra coisa no lugar daquela mesma coisa?
Assim, negando sempre
o que lhe parecia eterno, ela dispensou namoro longo e emprego fixo.
Sonhava ser borboleta e não pedra careta. Vivia nas nuvens, tanto que nem notou
quando aquele menino bonito foi trazendo o sempre
pra perto dela. Assim, num belo dia, ela se encontrou onde jamais imaginou. E naquele
lugar, naquela hora, na frente de todo mundo, ela disse sim e aceitou o pra sempre. Não teve escapatória e
assim continuou a história.
Por anos se sentiu sempre
amarrada, aprisionada, apagada. Já notou que sempre que se teme o medo, o medo sempre persegue a gente? Pois com a menina não foi diferente.
Dos médicos vieram diagnósticos de pra sempre. Ela teria que usar remédio pro resto
da vida e só a idéia de tanto tempo assim já a apavorava. Sempre
teve medo do dia em que sempre teria
que carregar tantas coisas que não pudesse suportar. E assim, os pra sempre foram se amontoando, se
multiplicando e tirando o sono da menina. De olhos sempre abertos ela matutava sempre
sobre as coisas que nunca teria e também as que sempre sonhara. A vida dela não caberia mais numa mochila, isso era
certo. Como carregar todos os pra sempre
pra todos os cantos, longe ou perto?
Ela estava sem esperança quando o milagre se deu (o que sempre acontece nesses casos!). E sem
que ela percebesse, devagarzinho, sem alarde, o pra sempre plantou uma sementinha. Foi quando a menina viu nascer outra
menina, outra vida na vida dela. Aos poucos, ela se deu conta de que aquela
outra vida iria acompanhar a vida dela por muito e muito tempo. Teve pânico por
alguns minutos, por algumas horas, por alguns dias. Até que os dias viraram
meses que viraram anos e chegou o dia em que a outra menina, num ímpeto de
afeto, se pendurou no pescoço dela e sussurrou ao pé do ouvido: te amo pra sempre, mamãe. Como essa palavra tão temida
tinha agora tamanha grandeza saída da boca daquela miudeza?
Sem querer querendo, a pequenina tinha tirado pra sempre a pedra do sapato, o cabelo do
ovo, a pulga detrás da orelha. Tinha aberto o portal e jogado a chave fora, tinha
resignificado o pra sempre. Tudo
fazia sentido em todos os sentidos e ela ficara leve em pensar que teria pra sempre aquela menina por perto, até o
fim dos dias, até que a morte as separasse, até que...
Não posso negar que a menina ainda tenha receio diante do
pra sempre, em algumas ocasiões. Mas é
raramente, só em poucos verões. Ela perdeu o medo de envelhecer e até gosta de
se comprometer. Porque algumas coisas na vida têm mesmo que ser permanentes. E
isso também é bom. Simples assim. E fim.